Roteiro Mistério

Ler parte 1
O INCRÍVEL ENIGMA DO
GALINHEIRO
Isso aconteceu numa época em que o grande
detetive Sherlock Holmes estava aposentado e um tanto esquecido. Em Londres,
onde morava, ninguém mais o chamava para elucidar mistérios. Conformava-se,
dizendo: não se fazem mais bandidos como antigamente. Meu tio Clarimundo,
leitor das aventuras de Sherlock, foi quem decidiu contratá-lo. Mas que não
trouxesse seu secretário Dr. Watson, que só servia para ouvir no final de cada
caso a mesma frase: “Elementar, Watson”.
– Mas se trata dum caso tão
insignificante – protestou mamãe.
– Insignificante? Esse enigma está nos
pondo malucos. Alguém andava assaltando nosso galinheiro. A cada dia sumia uma
galinha. Quem faria isso, estando a casa cercada por paredes de imensos
edifícios? Não havia muro para saltar. Nem grades para pular. E na casa só
morávamos eu, meus pais, tio Clarimundo e Noca, a velha empregada. Um enigma
muito enigmático, sim.
Sherlock Holmes chegou e hospedou-se
no quarto dos fundos. Ele, seu boné xadrez, seu cachimbo, lógico, e mais
logicamente sua lupa, que aumentava tudo. Chegou anunciando:
– Chamarei esta aventura “O caso das
galinhas desaparecidas”. Ou ficaria melhor “O incrível enigma do galinheiro”? –
Ambos são bons, mas... – Na maior parte das vezes o culpado é o mordomo –
informou Sherlock.
– Onde está o suspeito?
– Não temos mordomo – lamentou tio
Clarimundo.
– Então me levem à cena do crime.
Levamos Sherlock ao quintal, pequeno e
espremido entre os prédios. Ele tirou a lupa do bolso. Um palito ou folha de
árvore, examinava concentradamente. Depois, tomava notas num caderno. Mas, como
a viagem o cansara, foi dormir cedo. Na manhã seguinte minha mãe acordou-o com
uma informação:
– Sumiu outra galinha.
– Esta noite dormirei no galinheiro.
E dormiu mesmo, sentado numa poltrona.
Desta vez eu que o acordei.
– Mister Holmes, roubaram mais uma
galinha. A notícia fez com que se decidisse:
– A história se chamará mesmo “O
incrível enigma do galinheiro”.
– Não estamos preocupados com títulos
– rebateu meu tio.
– Mas meu editor está.
Neste dia consegui ler o caderno de
anotações do detetive. Li: nada, nada, nada. Um nada em cada página.
Organizado, não? Também nesse dia Sherlock telefonou a Londres para trocar
impressões com o fiel Dr. Watson. Uma fortuninha em chamados internacionais. E
as galinhas continuavam desaparecendo, apesar de Sherlock Holmes dormir no
galinheiro. Ele já andava falando sozinho.
– Nem sinal de gato, cachorro, raposa,
gambá. Todo o meu prestígio está em jogo.
Por fim, restou apenas uma galinha.
À hora do almoço o famoso detetive,
sentindo-se velho e fracassado, sofreu uma crise, chorando na frente de todos.
Ler parte 2
Nós nos comovemos muito com a
situação. Um homem daqueles derramar lágrimas...
Noca, então, deu um passo à frente e
confessou:
– Eu que roubava as galinhas. Dava às
famílias pobres duma favela.
Sherlock enxugou imediatamente as
lágrimas na manga do paletó.
– Já sabia. Fingi chorar para que ela
confessasse.
– Então desconfiava de Noca? –
Perguntou tio Clarimundo.
– Encontrei penas de galinha no quarto
dela. Elementar, Clarimundo. E o que dizem de comermos a penosa que resta no
galinheiro?
Não sei se foi escrito “O incrível
enigma do galinheiro”. Se foi, pobres leitores! Na verdade eu que roubava as
galinhas para dar aos favelados. Inclusive quando o detetive dormia no
galinheiro. Noca sabia disso e assumiu a culpa em meu lugar. Elementar, Mister
Sherlock Holmes.
(Marcos Rey, Em Vice-Versa ao
Contrário. Org. Heloísa Prieto. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 1993.)